Um dos mais respeitados pensadores da educação no País, o
sociólogo Simon Schwartzman está fazendo um giro pelos Estados Unidos e pelo
Canadá. Acompanhou a distância o lançamento do Pimesp, programa que cria cotas
de 50% para alunos de escolas públicas nas universidades paulistas.
Para Simon, já na concepção o Pimesp parece melhor que o
programa de cotas federal, porque propõe a criação de uma nova modalidade de
curso, inspirado nos colleges americanos, para preparar o aluno saído da escola
pública para o ensino superior. Mas ele adverte para o risco de se adotar em
larga escala um projeto ainda não devidamente testado. Simon lembrou que o
embrião do college paulista é um projeto adotado na Unicamp há dois anos, com
turmas de apenas 120 alunos. "É um experimento e você não pode adotar um
experimento como política."
Qual é a impressão do senhor sobre o Pimesp?
O sistema de ensino superior paulista em geral precisa de mais
inclusão. A situação hoje é que as universidades recebem 10% da receita do
Estado e atendem um número relativamente pequeno de estudantes. Isso é difícil
de ser mantido; elas precisam se abrir mais, procurar mais setores da população.
O formato proposto em São Paulo é mais interessante do que o federal, que
simplesmente estabeleceu uma cota e se limitou a isso. No caso de São Paulo eu
vejo dois aspectos meritórios: um é esse experimento no nível de um tipo de
college, outro é a ideia de que você vai dar apoio financeiro a estudantes de
baixa renda, que precisam disso para estudar. Esses dois elementos dão ao
projeto paulista um aspecto bastante interessante.
O senhor não tem reservas ao princípio das cotas em si?
Acho que a ideia de uma política de ação afirmativa, de fazer
um esforço adicional para buscar estudantes que não tiveram oportunidade de
fazer uma boa escola, é correta; é algo que precisa ser feito. A universidade
não pode simplesmente se fechar e dizer: 'Bom, não chegou aqui capacitado não
entra'. A universidade tem a obrigação de sair em busca de estudantes que se
beneficiariam da educação superior mas não passariam no sistema tradicional de
avaliação. Na verdade, a gente sabe que esse sistema tradicional não é tão
perfeito assim para selecionar os estudantes. Então, o movimento de ação
afirmativa nesse sentido é uma coisa que eu acho correta. Agora, a maneira como
isso está sendo feito é que é complicada. Porque não se sabe muito bem de onde
vêm esses números (das metas do Pimesp) e a experiência do college ninguém tem
no Brasil. As experiências do chamado ciclo básico do ensino superior no Brasil
nunca deram muito certo. Não sei se as universidades paulistas fizeram uma
avaliação dessas experiências do passado. Então não sei se esse modelo de agora,
do college com dois anos, vai mesmo funcionar. A outra coisa que eu sempre achei
absurda é usar critérios raciais nesse tipo de ação afirmativa. Mas essa é uma
discussão da qual eu já desisti. Porque no Brasil parece que há uma unanimidade
de que isso deve ser feito. Continuo achando que não deveria, mas aí sou voto
vencido.
O college supostamente será misto, com conteúdos presenciais e
online. Embora as possibilidades do online sejam reconhecidas por todos, o
problema é que a parte presencial também é digital, o aluno vai ao polo e
assiste material previamente preparado. Não falta professor aí?
Não conheço muito bem a experiência de Campinas, sei que lá já
estão fazendo isso há algum tempo. Mas seria importante avaliar bem essa
experiência, que eu tenho impressão que é de onde vem essa ideia (do Pimesp).
São coisas que têm de ser experimentadas, avaliadas; fazer um pouco e ver se dá
certo. Se der certo, você amplia, se não der certo, modifica. A USP tem uma
experiência fracassada de criar uma entrada alternativa para estudantes mais
pobres que é a USP Leste. Aparentemente não funcionou. Não teve o papel que a
USP achou que ia ter. Então me preocupa um pouco que a universidade, talvez
pressionada pelo contexto político, tenha se precipitado ao já anunciar um
programa que vem com todos esses números e metas, quando poderia ter
experimentado ainda, para ver o que tudo isso significa.
O programa da Unicamp pegou o melhor aluno no Enem de cada uma
das escolas públicas de Campinas. Formou um grupo de 120 alunos e os resultados
são relativamente bons.
Campinas é isso, um experimento. Eles estão trabalhando com um
grupo selecionado de estudantes, que, embora possam não ter um desempenho
escolar excepcional, se destacam nas suas turmas, então a chance de que tenham
potencial é boa. E mesmo assim os resultados são da ordem de 50% (em termos de
eficiência). Acho que vale a pena entrar por esse caminho, mas não pode ser
feita uma coisa precipitada. O uso dos meios a distância, digitais, é em
princípio útil. Mas tem de estar associado a bons professores, a bons monitores,
alguém que acompanhe o aluno pessoalmente. Você não substitui a relação
pessoal.
A ideia é adaptar os estudante ao ambiente do ensino superior
presencial. Como fazer isso sem eles serem 'apresentados' à figura do professor
universitário?
Tem uma coisa de cultura. Se o aluno optar por entrar na
universidade, ele vai para um outro ambiente. E a cultura desse outro ambiente
você aprende com os outros, na convivência com os professores, com os colegas. É
muito difícil você transmitir uma cultura diferente para pessoas que não tiveram
nada disso antes, tiveram uma educação básica de má qualidade, vieram de um
contexto social pouco intelectualizado. E ainda fazer esse processo a distância?
De novo: o digital é muito importante como um meio auxiliar, mas ele não
substitui o professor em sala de aula. Em todo caso, são coisas novas, que você
tem de experimentar. É um experimento, e você não pode adotar um experimento
como política.
Um possível mérito do college é a oportunidade que ele traz de
desengessar o ensino superior, ampliando o leque de opções para os alunos. Como
o senhor vê isso?
É o famoso modelo de Bolonha, que os países da Europa estão
adotando com alguma dificuldade, muito baseado nos modelos inglês e americano.
Um ponto fundamental é que as pessoas são muito diferentes, pela motivação, pelo
interesse, pela formação. Por isso você precisa criar no college um leque de
alternativas muito grande. O aluno que faz o college e vai para a Fatec em lugar
de seguir para a universidade não fez isso porque fracassou. Você não pode
colocar desse jeito. É uma opção. Se o negócio dele não é matemática nem
literatura, e sim mecânica ou outra coisa prática, ele vai caminhar para isso.
Quem entrar no college para se preparar para uma carreira médica não vai fazer a
mesma preparação do aluno interessado em engenharia. Esse é o modelo que pode
funcionar.
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